42.

No dia seguinte Murilo bateu na porta do escritório do avô. Tasso abriu com uma cara perplexa, parecendo pronto a reclamar de alguma coisa, mas sua expressão mudou quando viu que era Murilo ali. Pareceu confuso, não disse nada, mas voltou para a sua mesa e deixou que Murilo entrasse.

  A avó ficava quase histérica com a sua presença, sorria sem parar e começava a fazer café e pão de queijo como se alguém lhe estivesse apontando uma arma. No segundo dia Murilo conseguiu formular pra si mesmo uma impressão que teve assim que chegou. Apesar de apreciar a gentileza da vó, era bem claro que a sua presença causava muito mais ansiedade do que alegria.

       Já o avô passou a escancarar a porta do escritório quando via que Murilo estava lá, diante da porta entreaberta, sem dizer nada. Murilo entendia isso como um convite, entrava e ficava sentado no chão diante da estante, com ele. Lia e folheva os livros por horas. Começou com os livros de arte e de história que tinham ilustração, nas prateleiras mais baixas. Murilo nunca tinha se concentrado por tanto tempo numa coisa muda, mas a presença daquela figura levemente assustadora o obrigava a ficar concentrado e quieto, o ar fechado e sério ganhando para Murilo contornos afetivos que ele só sentiria de novo depois disso em bibliotecas públicas.

— O senhor escreve? Eu vi que tem vários cadernos.

Ele levantou o rosto assim que ouviu isso, sem olhar para Murilo, virado para a janela. Ficou parado um bom tempo.

— Sim. Mas eu não sou muito bom.

Murilo sorriu, sem saber como responder, e nem se ele devia dizer alguma coisa. Ele também não sabia escrever bem direito, tinha aprendido há pouco tempo. Mas o avô não devia estar falando de conseguir fazer o ‘R’ direitinho.

— Na verdade eu não sou nem um pouquinho bom.

       No sábado, dia em que o avô comia meia barra de chocolate e cochilava livremente, eles ficaram ouvindo vinil de música em que ninguém falava nada, só gritava “OOooOOOooOO”. Tasso falando fraquinho coisas que Murilo quase nunca entendia enquanto batia na porta a cauda de um cachorro que mal lembrava que existia, a tarde morrendo lá fora.

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