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Eliot acorda com o alarme às nove. Pede em voz alta e bem-enunciada para que sua assistente virtual pessoalmente customizada, Sandra D, ligue o chuveiro. Vai tirando a cueca e as meias enquanto anda, quase caindo no processo. É só quando o jato d’água bate forte e quente no seu peito e no couro cabeludo que ele lembra da noite anterior, o motivo de ter acordado tão puto.

Teve um encontro no Tinder com um garota chamada Emily e foi péssimo. Ela era alta, morena e linda, com olhos puxados e uns peitos inacreditáveis. Muita areia pro caminhãozinho dele, claro. Em condições normais. Mas falava no perfil que tava a fim de caras com independência financeira e que sabiam o que queriam. Ele tentou mostrar toda sua autoconfiança, além de ter sido educado e cavalheiro.

E no final a vadia não quis nem dar pra ele. Falou que ele era legal, mas que achava que eles não tinham se conectado. Isso depois de pedir lagosta. E ainda ficou revoltada quando Eliot constatou esse fato, que não era mais do que um fato. Sair para jantar com alguém era uma espécie de troca, ignorar convenções significava renunciar os termos da vida em sociedade. Ele lembra de falar isso rindo, enquanto pedia um Uber pra ela (“não, eu não vou te levar em casa. Pra quê? Você já falou que não tá interessada”). Ele tinha exagerado um pouco, talvez, mas a garota era uma aproveitadora.

Ficou pensando em como o Tinder e todos esses outros aplicativos eram ruins e como deviam desenvolver alternativas mais diretas, com menos espaço pra esses desastres assim. As pessoas deviam saber direitinho o que esperar quando vão sair com alguém, não devia ser essa roleta tão desoladora. Se organizar a interface direito, todo mundo sai ganhando. Mas não. Imbecis por toda parte.

Quando ele sai do banho e vai até a cozinha, no primeiro andar da casa, sente água nos pés e quase escorrega. O chão tá completamente molhado. Vê que a pequena tela na porta da geladeira tá com uma cara triste e que a água parece ter vazado dela. Ele xinga o nome da companhia coreana e grita para Sandra D lembrá-lo de mandar um e-mail para o CTO da empresa, que ele tinha conhecido num jantar no ano anterior. Amadores e imbecis por todos os lados.

Quando sai de casa, Eliot encontra uma manhã agradável e ensolarada de primavera. Encara as colinas diante dele e mentaliza um brevíssimo momento de gratidão de morar num lugar tão bonito. Tecnicamente ainda é São Francisco, mas ele só vai para a cidade muito de vez em quando. Fica muito mais ali no trecho entre Menlo Park, até Mountain View, em um pequeno punhado de cafés, açaízerias e lamens da moda, onde ele sabe que pode encontrar casualmente alguns luminares da indústria, seus pares (que nem sempre retornam suas mensagens).

O presidente do Google passava sempre num mesmo Starbucks, mas isso já tava tão manjado que aparecer por lá sem ser vizinho parecia desespero ou tietagem. Eliot espumava de raiva quando cumprimentava um desses e o cara fazia aquela cara de paisagem, de “Desculpa, nós nos conhecemos?”. Aconteceu uma vez com Peter Thiel, semanas depois de ter conversado quase meia hora com ele num jantar. Ele agora fantasiava situações em que Thiel perdia tudo e precisava da ajuda dele. Todo dia.

Hoje Eliot não encontra nenhum conhecido quando chega. Pede sua torrada com abacate e um machiato, fica rolando a barra de suas redes sociais sem prestar muita atenção, uma das orelhas recebendo um podcast no seu fone de ouvido sem fio. Até que cutucam seu joelho. Ele olha, lá está Deepak, com sua cara de satisfação gratuita. Um tonto herdeiro de mineração vindo de Nova Délhi que investiu cedo no facebook parte da grana da família, vendeu num bom momento e hoje pagava de sábio dos investimentos. Não tinha acertado uma desde então. Até naquele processador de alimentos pretensioso de hype hiper inflado ele havia caído.

— Ei, Eliot. Tudo bem, bro? Cê tá fazendo alguma coisa?

— Trabalhando um pouco, por quê?

— Vem comigo, vou encontrar o Jason na casa do Sergey. Ele falou pra não levar mais ninguém, mas a gente pode falar que você insistiu. Você vai me agradecer.

— Sério? Fazer o quê?

— É segredo. Não conta pra ninguém. Sergey quer experimentar uma máquina nova, um protótipo secreto não sei de quem. Não é deles. Parece que faz toda realidade virtual parecer pintura rupestre.

Deepak faz uma cara satisfeita, expectante. Eliot não consegue nem responder. Embora não se perceba de logo, pela falta de contraste, Eliot empalidece bruscamente.

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