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Cátia e Fabiana se conheceram através de uma amiga em comum, Julieta. As duas nunca foram próximas, mas já haviam saído juntas diversas vezes. Fora um par de situações em que ambas estavam bem alteradas, e das quais se lembravam precariamente, nunca tiveram muito papo. Fabiana achava as roupas e hábitos da Cátia em geral meio excêntricos, o que ela não escondia e vivia falando na cara (com outras palavras, como diferente e fora do comum). Cátia tinha um pouco de preguiça da Fabiana, principalmente por achar que ela só sabia falar de macho. O que queria dizer que as duas só se davam bem quando Cátia se via no humor ou no momento de falar muito de macho, seja por estar caçando um, seja por estar buscando alguém para reclamar daquela metade quase sempre tão canalha da espécie.

Por isso, Fabiana estranhou quando Cátia a chamou para tomar um café, de tarde, porque tinha que lhe contar alguma coisa. Fabiana nunca tomava café com ninguém, estranhou o convite. A relativa seriedade da ligação deixou ela inquieta. Que coisa séria a Cátia poderia ter pra lhe falar?

— Então, eu não sei nem como te dizer isso.

— Fala logo, mulher. Tá me dando nervoso, já.

— Um amigo. Amigo não. Um cara que eu conheço, ele viu umas fotos tuas no meu Instagram.

— Ahhm, é? É gato? Quê que ele faz?

—Então, não. Quer dizer, até que é. Mais charmoso que gato. Mas não é isso, ele não quer sair contigo.

— Quê que ele quer, então?

— É difícil de explicar. Antes cê tem que me jurar que não vai contar pra ninguém. Nem pra Julieta.

— Eita. Tá bom. Mas por que?

— Você vai entender.

Fabiana estava curiosa. Cátia parecia constrangida medindo palavras.

— Quê que você acharia, assim, da ideia de, tipo, fazer um pornô?

Fabiana faz uma cara de confusa, quase de pavor.

— Mas pera, não responde ainda. Não seria com qualquer cara, você pode escolher o cara. Pode ser teu boy lá. Quem for. E não vai circular, é pra uso privado. Eles juram, pelo menos. Dizem que botam isso no contrato direitinho e tal. Se você conhecer algum advogado pode mostrar. Eu não conheço. Acho que esse cara não é sacana, mas sei lá.

— Como assim?

A cara dela era de incredulidade, mas uma incredulidade amigável, curiosa.

— É difícil de explicar. Eu mesma não entendi tão bem. É tipo um negócio de realidade virtual, acho. Mas, tipo, não tem câmera.

— Oxe.

— É. Pelo que eu entendi é como se o cara gravasse a sensação dele. A sensação toda. É bem maluco o negócio. Parece que eles não divulgaram a tecnologia ainda, ainda é experimental, por isso não pode divulgar.

— E esse cara quer me comer?

— Então, não exatamente. Você pode escolher com quem você transa, mas o cara vai gravar a experiência toda.

— Sim, eu entendi isso. Mas ele quer então a experiência de me comer?

— Isso, é. Eu sei que é esquisitão. Mas assim parece que não tem nem como o negócio vazar na internet, nem nada. Pelo menos não ainda. Sei lá, né, também. Mas enfim, então, honestamente me parece bem mais de boa do que fazer um pornô normal, na real. Ninguém vai ver fora um rico maluco aí nojento. O esquisito só é que você transa com o cara usando lá um equipamento na cabeça.

— Você fez?

— Não. Eu ia fazer, mas depois que ele viu tuas fotos no meu perfil ele mudou de ideia.

— Sério?

— Sério. Ruim pra mim e bom pra tu. Vou pedir só um agradozinho pela indicação, mas você decide quanto que é justo.

As duas riem. Não conseguem olhar diretamente uma pra outra. Quando param, a expressão é ansiosa.

— E quanto é que ele ta oferecendo?

— 30 pau.

— 30 mil reais?

— Isso. Os cara tão em outro patamar, né, minha filha. Mas tem que assinar um negócio prometendo que não conta pra ninguém e parece que não pode mesmo, que os caras processam, sei lá o quê. Mas não tem motivo pra você contar, né?

Fabiana ficou girando o próprio celular em cima da mesa, sua expressão se soltando com cada rodopio até dar num rosto ausente. Era mais ou menos quinze vezes o que ela ganhava por mês como secretária dum escritório de advocacia.

Cátia pensa nos filmes que ela fez quando mais nova rodando até hoje nessas porras desses sites. Dando dinheiro pros outros e pra ela nada. Pensa em falar pra amiga sobre essa possibilidade, mas acha melhor não. Até porque ela não sabe desse detalhe do seu passado. E com a Fabiana não aconteceria aquilo. Com ela daria tudo certo.

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