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Depois disso, tudo aconteceu muito rápido. Wellinton já tava ligando 192 quando o gringo sem graça gritou que ele ficasse quieto, o dedo no pescoço do moleque. Disse, muito friamente, que Flávio já tinha morrido e não adiantava fazer nada.

O gringo sem graça pegou uns comprimidos da sua mala e falou para Wellinton dar para Fabiana. Diante da cara tensa de Wellinton, ele disse que aquilo a acalmaria, ajudaria a dormir.

— No máximo vai fazer ela esquecer tudo. Mas se fosse com você, você não ia querer esquecer?

Fabiana está tão tensa, acumulada num canto da cama, tremendo sem parar, que aceita as pílulas com um copo enorme d’água sem que ele precise dizer muito. Ela repete várias vezes que tinham que ligar para a ambulância. Ele nem responde, sem conseguir dizer a verdade, mas também sem conseguir mentir.

Na sala, o baixinho ruivo tá respirando rápido e bufando, ele cochicha algo para o gringo e de repente os dois olham para Wellinton, que entende a expressão deles imediatamente. Você é o nativo, é você quem mexe com coisas sujas. Você vai ter que se livrar desse corpo.

Wellinton nem começa a imaginar o que faria. Botar o cara no porta-malas e jogar ele no Tietê? Ele não era um mafioso, caralho, ele só fazia filme de putaria. Wellinton insiste que é melhor ligar pra uma ambulância, fazer tudo direito. Foi um acidente, afinal, ninguém queria matar o cara.

— Chamar a polícia não é uma possibilidade. Isso aqui é tecnologia militar em fase de desenvolvimento. Se isso aqui ficar público todo mundo aqui tá em muito perigo. Todo mundo.

Depois de muita discussão, o que se decide é que os dois vão ajudar Wellinton a levar o corpo até o carro e ele vai deixá-lo perto de um posto de saúde, o gringo sem graça então vai ligar de algum orelhão longe de lá avisando onde está. Para tanto a comissão de Wellinton vai aumentar duzentos por cento. Desse jeito, ele arrazoou consigo próprio, pelo menos a família pode fazer o enterro. Os três enrolam o corpo de Flávio numa roupa de cama laranja que encontram na casa e carregam até o carro de Wellinton, um Celta de 2010. Ele fica apertado no porta-malas, a cabeça meio torta e isso de algum jeito deixa Wellinton muito mais agoniado e horrorizado do que se o corpo tivesse com espaço tranquilo pra deitar. Sabe que não faz diferença, que o corpo não sente mais desconforto nenhum, mas ainda assim. O esculacho. O gringo e o ruivo baixinho falam que vão ligar de um orelhão perto de um WalMart que tem ali perto.

Quando batem o porta-malas e Wellinton vai até o banco de motorista, ele consegue escutar os dois conversando baixinho, em inglês. Achando que ele não entenderia.

— E a garota?

— É uma pena. Mas vamos ter que lidar com ela também.

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