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Por meses, o único contato que os dois tinham era por meio desses e-mails (e as eventuais respostas, sempre curtas, de Murilo).

Pararam de conversar pelo chat, como se a relação tivesse se canalizado agora daquele jeito e só daquele jeito. Até que num sábado de noite a bolinha dele do nada deu sinal de vida:

— Murilovsk, tá online djow?

— tou.

— bicho tou em brasilia ! !

— eita

— tou numa festa numa casa comedia duns artchista aqui na asa sul. ~laje, chamam. Não quer chegar não?

— olha só. Po eu n tenho carro

— onde c mora? As vzs te dou carona. Se bem q tou mt loko no momento

— haha 711 sul

— !!!! a festa é na 707!!! chega mais!!!

Murilo teve um treco, um raio passou pela espinha até os pés. Ele nunca tinha conhecido pessoalmente um amigo de internet. Sempre eram duas esferas distintas: o mundo material em que ele se arrastava e comia mortadela e o mundo das telas que ele consumia com igual ou maior voracidade. Considerou olhar no espelho, tomar banho, trocar de roupa. Mas logo pensou que nada que pudesse fazer ali a esta altura do campeonato mudaria muita coisa. Escova os dentes, pelo menos, percebendo que não faz isso há dias.

Veste o casaco moletom com capuz, embora a noite esteja quente, e sai de casa tentando não fazer barulho. Era meia noite e quarenta, os pais estavam no quarto. Ele faz o trajeto a pé, o tempo inteiro pensando em como seria a cena de chegar numa festa onde não conhece quase ninguém.

Quando chega na 707 logo vê a casa que deve ser a da festa, com uma laje tomada de gente e música emanando forte do andar de baixo. Um cara e uma garota conversavam na frente, fumando. Murilo murmura alguma coisa quando passa por eles, mas não é notado.

Ele logo encontra Fábio sentado num sofá do lado de uma garota loira de cabelo raspado dormindo. Ela não parece bem. Ele põe a mão no ombro de Fábio, que vira e logo escancara a boca numa reação exagerada:

— MURILÊNCIA, tu veio mesmo!

Ele abraça Murilo com força, pega duas cervejas de um isopor no chão e os dois sobem até a laje.

Murilo sente que duas garotas muito bonitas e estilosas olham pra ele estranho quando eles chegam lá em cima. Ele mexe no próprio cabelo num reflexo automático que ele sabe bobo.

— Tudo bem, velho? Cê parece meio nervoso.

— Sei lá. Muito tempo que eu não vou numa festa.

Na verdade, aquela era a primeira de sua vida, não contando festas de família.

— Ah, pô normal. Tu prefere vazar?

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