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Para: Mafrye@gmail.com

De: FBCarvalho@gmail.com

O condomínio onde eu moro é muito creize. Os cara pegaram um espaço enorme aqui perto de Goiânia e fizeram um subúrbio norte-americano perfeito. Sério, trouxeram consultores gringos e o caramba pra reproduzir num espaço de uns trezentos hectares as casas exatamente iguais às Mcmansões de rico americano. As parede de papel e tudo mais. Fizeram até um comércio local que parece um pouco aqueles strip malls americanos, com filiais de restaurante por lá que só existiam até então no Brasil em São Paulo (eu ouvi algumas vezes de amigas da minha mãe a alegria que elas pareciam sentir de poder ir naquele lugar enquanto as dondocas de Brasília e do Rio não podiam). Você pode andar nele um tempinho e ter até a ilusão de que está num lugar aberto, nuns trechos a vegetação que eles plantaram contribui com essa impressão. Mas o lugar é todo murado, com uma torre de vigilância camuflada de caixa d’água e acesso controlado por uns guardinhas com pranchetas que anotam o seu nome e RG, tiram sua foto antes de entrar. Meu pai é um investidor no condomínio desde o início e fez questão de ter a maior mansão, uma das poucas que não seguem o padrão territorial (já imenso). Parece a casa branca, a nossa. Com metade do tamanho, mais ou menos.

Murilo lia tudo que Fábio enviava com interesse. Não lhe escapava o tanto que o Fábio parecia construir aqueles emails com atenção, um texto um pouquinho mais trabalhado do que o seu normal.

Era estranho ter aquela narrativa criada só pra ele, aquela história real relatada como se ele pudesse oferecer resposta adequada, como se ele tivesse qualquer nível de sapiência do mundo real para dizer qualquer coisa. Murilo respondia apenas um quarto ou um quinto dos emails e deliberadamente demorava um pouco para fazê-lo, para não parecer que passava a vida dele fazendo exegese da vida alheia.

Esse pensamento engatilhou todo um sentimento enorme que sempre parecia já corrente na sua cabeça, todo um repertório reiterado sobre como ele conhece pouco do mundo, não viveu quase nada comparado com qualquer pessoa. A comparação constante com o amigo deixava Murilo com inveja, um sentimento que ele nunca gostou de notar em si mesmo. Ele sabia que, mesmo tendo menos possibilidades do que Fábio, muita coisa estava à sua disposição. Ele geralmente não pensava em si mesmo como tão sortudo, mas sem dúvida as condições materiais da vida dele eram bem melhores do que da grande maioria dos brasileiros (e, de fato, do mundo). Ele talvez conseguisse passar num concurso mais ou menos sem tanta dificuldade assim, se de fato se dedicasse por um tempo, conseguiria sair de casa e montar uma versão mais aceitável de si mesmo. Ir para bares ou, sei lá onde, entrar num site desses, arranjar uma menina ou um menino, transar e ver de uma vez por todas se gosta ou não. Esses ramos de vidas possíveis que ele poderia assumir sem tanta dificuldade assim viviam se desenhando na sua cabeça, mas ele nunca tomava qualquer atitude, nunca se movia em direção a nada. Murilo não conseguia nem conferir os detalhes dos editais de concursos, as abas abertas o dia todo com as informações até que ele as fechasse horas depois.

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