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Não lembro onde que eu cliquei no primeiro link. Mas era um indexador qualquer desses de diversos site de streaming pornô. Tava lá junto de alguma categoria que me apeteceu na hora. A imagem que ilustrava o vídeo era de um cara negro de costas e uma mulher médica loira linda com cara de safada. O nome do arquivo era só Qual é o nome dessa estrela pornô húngara? (Em inglês, naturalmente).

Eu abri não só porque a mulher era linda, mas porque gosto de vídeos com médicas e talvez até pelo fato do cara ser negro. Embora geralmente as qualidades do homem nos vídeos me seja um tanto indiferente, já percebi que dentre as torrentes de fotos do tamanho de unha de dedão com as quais me deparo diariamente eu ando recorrendo em escolher vídeos onde homens negros de paus enormes comem mulheres bem branquinhas, geralmente loiras, americanas ou europeias.

Não que este padrão recorra de maneira a erradicar outras preferências que percebo que também vão se delimitando com o tempo (asiáticas muito baixinhas, uma mulher sentando na cara enquanto outra “cavalga” o pau, enteadas que descobrem a sexualidade com as madrastas). Mas tá lá entre as linhas narrativas de força da minha libido (que, de resto, como se sabe, derrama pra todo lado).

Até onde é possível explicar essas coisas, imagino que pelos motivos óbvios eu encontre excitação em ver representantes de uma minoria “foderem com” representantes de privilégio. Que isso não faz sentido nenhum em termos sérios é claro que não faz. Digo, é claro que não há batalha política nenhuma sendo vencida, aqui. Na verdade, também me ocorre que é possível que o que eu esteja sendo é estruturalmente racista (aprendi o termo com minha ex-mulher, uma espertalhona). Tem um site específico que o algoritmo me recomenda chamado BLACK MONSTER TERROR, o que não é um bom sinal.

Mas esse vídeo acabou que surpreendeu. O cara se apresentava com roupa de jogador de futebol para o que parecia um exame com a médica loira e mais duas ajudantes (também loiras). A médica tinha uma cara de sacana, pedia para que ele tirasse a roupa e em seguida que assumisse uma série de poses absurdas. Naturalmente, eu esperava pelo momento em que alguma troca de frases comicamente sugestivas levasse a que ela engolisse o pau do cara, ali já há muito tempo pendente e disponível , mas isso nunca acontecia. Ela só continuava submetendo-o às contorções mais inesperadas. A cena começou a me parecer engraçada em sua frustração deliberada das expectativas que vinham embutidas nas convenções do gênero e do meio da sua reverberação.

Quando o cara começou a abrir o cu para o rosto interessado das médicas e ajudantes a cena começou a me parecer uma obra feminista notável, até, embora fosse difícil entender o quê que o filme entendia que tava fazendo sem saber mais nada do seu contexto original (qualidades dispersas da imagem e dos penteados me sugeriam final de década de noventa, no máximo, mas eu não sou especialista; a luz e a maquiagem dir-se-iam dum vídeo dessa época produzido para ser comercializado como pornográfico, mas isso poderia ser facilmente uma afetação mais tardia de uma vídeo-artista com talento).

A mulher e suas ajudantes aplicaram em seguida uma injeção no cu do homem, que fazia expressões comicamente exageradas de incômodo. Em algum momento da manipulação rígida do seu corpo por parte das mulheres a cena deixou de me parecer um triunfo feminista e começou a me parecer racista. Querendo ou não, por motivos maravilhosos ou torpes, havia ali algo muito incômodo para mim em observar aquelas mulheres avaliando e varando o corpo daquele cara como se fosse um animal de laboratório ou produto à venda. Assim que escrevo isso percebo que eu vejo diariamente isso ser feito de todas as maneiras mais degradantes concebíveis com mulheres desde os meus doze, treze anos (assim como quase todos os homens que conheço).

Antes do vídeo terminar o meu interesse já me fez abrir a conta da pessoa que o tinha subido no site. Frankvideos, o nome, que nos detalhes se dizia uma mulher romena de 39 anos. A imagem de uma mulher romena chamada Frank me fez rir. Ela tinha mais quarenta vídeos subidos. Quase todos eles, eu logo percebi, consistiam em diferentes tentativas de disseminar a sua dúvida da identidade da estrela húngara. Qual é o nome dessa estrela pornô? Qual é o nome dessa mulher? Essa pergunta foi ficando, de repente, mais e mais e mais urgente. Foi só aí que eu percebi que o negócio já tava batendo. A droga. E aí, meu amigo. Fodeu.

Eu tinha comprado a máquina na semana anterior, de seu idealizador ansioso e suado. Segundo Eliot, é só o terceiro protótipo que vendem. Para ajudar a financiar o projeto, mas também para criar um pequeno hype entre os endinheirados, pelo que entendi. Deve ser mentira. Eu sou um herdeiro de fortunas antigas de mineração no leste europeu sem nenhum carisma ou magnetismo pessoal. Não sou capaz de criar hype nem dentro do Cáucaso.

Por mais cara que tenha sido a máquina para mim, umas poucas vendas assim não ajudariam a terminar de financiar um projeto dessa magnitude. Pelo que eles próprios me disseram, a máquina voava nos testes há mais de ano. Mas ouvi na boca pequena a dificuldade de introduzi-la no mercado: não havia precedentes jurídicos para lidar com diversos elementos de seu funcionamento. Como uma empresa poderia se responsabilizar legalmente pelo uso em massa de uma interface que requer a introdução de um corpo estranho (“transorgânico”) no seu corpo, além do uso prévio de medicamentos controlados e pesados? Os infinitos processos possíveis se proliferavam na cabeça dos advogados consultados. Meu chute é que nunca conseguiriam superar esses impasses e portanto estavam tentando arrancar toda a grana possível vendendo a tecnologia para um público seleto de bilionários. Eu jamais repetirei para alguém a quantia que paguei, que é ridícula. Mas para alguém que herdou metade do gás natural na Geórgia, claro, não é nada. Peido.

Disseram que a droga que você tem que tomar antes de usar a máquina é para aumentar a sua receptividade. Te deixar ressonante pra sincronia entre teu sistema nervoso central e o metrônomo da máquina. Eu não sou químico, mas se você me pergunta o que a droga faz é te deixar inteiramente depositado naquilo que você tá experimentando. Depois de usar a máquina do Eliot com as gravações-padrão sem-graça que ele arrumou (montanhas-russas, shows do U2, refeições em restaurantes quatro estrelas Michelin), eu acabei tomando a droga uma vez pra jogar Minecraft e achei uma experiência profunda, quase mística. Aquilo parecia enorme e não um brinquedo de criança. Fiz o mesmo para jogar Tetris e ouvir Bach e me senti o próprio engenho do criador. Me parecia que qualquer coisa com essa droga começa a ao mesmo tempo se intensificar e se endurecer da sua própria consistência e espraiar em toda sua extensão relacional, digamos assim (acho que tou papagaiando aqui o rapaz que me explicou), virar a única coisa que existe no mundo enquanto grita em si mesmo todo o resto que existe em todas suas ramificações. Meio poético da minha parte, eu sei, mas é que essa droga é potente. Por isso eu achei que seria ótimo me masturbar com ela. Um erro, claro. De repente eu tava achando pornografia uma coisa deprimente, meu pau não subia nem com roldana. Eu que nunca havia pensando nisso antes ficava olhando pras mulheres e pensando “Será que ela tá gostando? Será que ela teve um pai ausente? Quem está ganhando dinheiro com esse site? Será que a Kendra Lust e a Nyommi Banxx têm seguro de saúde?”

E por mais que o tesão tivesse se esvaído na hora a obsessão instalada pela droga começou logo a me consumir. Quem era aquela mulher do vídeo? Descobrir aquilo parecia urgente, parecia imperativo. Aquela configuração particular de desejo parecia ter uma força invencível. Poderia botar um assistente para pesquisar, mas achei constrangedor. Até porque a maioria das minhas assistentes são mulheres. Depois de dias sem resultado, postei a pergunta num fórum de pornografia e consegui a resposta poucas horas depois. Era um atriz já aposentada, hoje com quarenta e poucos anos. Entrei em contato com um profissional da área do sexo que já me serviu no passado e que tinha morado por anos na Hungria caçando talentos. Perguntei se ele conseguia arranjar o contato da mulher.

Era evidente que aquela tecnologia tinha que ser usada pra sexo, mas o Elliot devia ter pudor de já chegar oferecendo isso de cara. Disse que só queria arranjar uns trocados por fora até que o governo anunciasse o uso militar ou comercial final da máquina. Foi indo atrás dos conhecidos e amigos e amigos de amigos (meu caso) e apresentando a máquina, propondo que eles gravassem os momentos com sua família ou uma viagem de esqui nos Alpes. An-ram. Ok, Eliot. Vou gravar aqui momentos com os imbecis dos meus sobrinhos ou com meus avós dementes.

Não sei se fui eu o pioneiro nesse uso, mas arranjei para que a atriz húngara viesse até Londres com o namorado. Tudo pago por uma subsidiária da minha empresa que tem o domicílio nas ilhas Seychelles, nada rastreável até mim com facilidade. Explicaram toda a situação e ela concordou, mas pediu trinta mil libras, não quinze. Peido de peido, mas mandei fecharem em vinte só para não perder o hábito de negociar. O namorado dela foi injetado do negócio na nuca e eles gravaram uma noite inteira de foda maravilhosa. No dia seguinte quando me trouxeram o arquivo eu percebi o quanto aquilo era muito melhor que pornografia e prostituição normal. Uma puta não quer te foder, mesmo que ela seja uma ótima profissional e finja bem você sabe que o desejo dela não está ali. Mas aquilo era diferente. Completamente diferente. Ela tava fodendo o namorado dela, a intimidade era real, o desejo era real, o amor também. Tudo autêntico. Era a coisa mesma ali. A própria. E eu tinha aquilo sem ter que conversar com ninguém, sem ter que fingir interesse por imbecilidade nenhuma, a sensação bruta de meter naquela mulher, de possuir o desejo dela, de fazer ela gozar.

Logicamente, eu me viciei na primeira dose.

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