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Murilo se sabia atraído pelas imagens de algumas pessoas que se produziam ali na internet, ainda que fosse uma atração que ele não conseguisse articular com o seu corpo. Eram só imagens que puxavam outras imagens. A piada que ele fazia (só pra si mesmo) a respeito era de que ele não tinha aprendido a coreografia pra essas coisas na idade certa e agora era tarde demais.

Murilo não conseguia nem imaginar como seria ter uma relação longa e próxima com alguém, ter intimidade material com um corpo alheio. Ele constantemente imaginava que estava acompanhado de alguém no seu quarto, alguém cuja imagem alternava muito, vivia oscilando entre homens e mulheres que se configuravam alternadamente como namoradas e melhores amigos.

É verdade que ele tinha amigos de internet, mas ele só tinha acesso à parte da sua personalidade, aparentemente. Eles já eram ótimos e muito divertidos de se conversar, mas Murilo só podia imaginar como seria sair de fato com eles, ir pra festas, assistir filmes e comer em algum lugar. Ele percebia o tanto que era patético ter devaneios frequentes com amigos que ele não conhecia pessoalmente, mas ele chegava a fazê-lo várias vezes por dia, por breves momentos onde a imaginação pairava um pouco acima de sua intenção e parecia funcionar no automático, figurando com o que se conseguia recuperar ali com mais facilidade. Por dias ele teve sua cabeça percutida por um grupinho específico de imagens a que ele tinha tido acesso, trinta e oito fotos de uma festa à fantasia de amigos de internet dele que moravam no Recife. Gente muito bonita e elegante, com fantasias ótimas e muito criativas (um deles era, ao mesmo tempo, Gaddafi e Carlos Santana).

Murilo frequentemente pensava no seu quarto através dessa imagem recortada pela câmera do seu computador, aquela imagem pixelada e grosseira onde ele estava tão acostumado em ver a progressão da luz ao longo do dia. A imagem do seu quarto oferecida pela câmera era como uma repetição daquela cena, a sua abstração. Muitas vezes era nela que ele pensava ao deitar na sua cama e não deixar sua cabeça se deter em nada, fiapos de discurso passando como um córrego raso por pedras duras, quase adormecendo, todo o tempo aquela imagem da câmera permanecendo como o pano de fundo para aquilo tudo, aquela procissão impessoal. Enquanto tentava se desativar, sua mente ainda retinha a imagem teimosa da tela.

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