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De vez em quando Fábio ainda parecia relutante com os seus relatos, pedia desculpa por falar tanto de si mesmo, precisando que Murilo deixasse claro a todo tempo que estava, sim, interessado. Ele deixava Fábio entender que tinha essa mesma relação com outras pessoas, mas isso não era verdade. Há muito ele percebia que esses encorajamentos já tinham ganhado uma função meramente formal, era uma peça retórica que permitia que Fábio deslanchasse o que parecia ser obviamente uma vontade bastante premente de representar a si mesmo e de se expor para alguém.

Murilo, por sua vez, também precisava de tempos em tempos deixar claro de novo que o seu interesse não era esquisito demais. Ele com o tempo cristalizou com Fábio aquela história de que ele queria ouvir relatos pessoais do tipo, porque estava tentando escrever um romance e precisava desse tipo de realidade vívida e emocional para construir seus personagens e peripécias. Isso, claro, além do interesse genuíno que ele tinha nas besteiras que o amigo tinha para contar. Fábio não parecia minimamente incomodado com a possibilidade de virar um personagem de um romance, ainda que disperso, picotado e irreconhecível, como Murilo garantia (“Eu não vou te botar ali espelhado, reconhecível, relaxa”).

Mas começou a parecer um tanto claro para Murilo que Fábio realmente gostava da ideia e não parecia fazer aquilo como um favor.

— Quaé malander charmander, ainda tá acordado?

— Estamos sempre aqui, né

— Pra trazer os seus desenhos favoritos (8)

— saiu muita coisa do CABOL, c viu. Achei massa.

— É, eu também. Mas a história em si não ta parecendo que vai concluir nunca, né?

— É, não sei, acho que não. A impressão é que é mais uma gracinha histérica paranoica dessas q vai espraiando espraiando ate dissolver

— Aqueles desenhos do sintellecto transorgânico chinês que saiu na zumbi eu achei engraçados

— É, é. Mas a coisa lá das viaj no tempo lá do Renato que na real era caô eu já achei meio boba. Fico com a impressão que não é mais a mesma galera, né.

— Pô, mas eu acho que já não é a mesma galera tem um tempo, na verdade. Acho que já virou uma zoeira coletiva o rolê.

— ah mas zoeira coletiva acho que era desde o começo né não?

— é?

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