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A juíza Sandra Gouveia Bittencourt tinha hábitos rigidamente regulares. Chegava cedo no tribunal, tratava todos os que não fossem seus iguais ou superiores hierárquicos ou políticos com a mesma rispidez desatenta. Separou-se de seu marido advogado há cinco anos e os relatos discordam se seu amargor com a vida aumentou ou diminuiu desde então. Que ele sempre esteve lá era certo.

Era difícil que saísse de casa no fim de semana. Ficava trabalhando no computador enquanto a TV a cabo passava filmes, geralmente títulos que ela já tinha assistido, conversava com os personagens dos filmes e dos processos no mesmo tom de reprovação e incredulidade generalizadas. Com a estupidez das pessoas e das suas más decisões. Quem visse as fotos pela casa de uma senhora um pouco acima do peso com os olhos fechados pelo sorriso e netinhas loirinhas e amorosas em volta talvez ficasse surpreso de descobrir que Sandra era temida por dez entre dez advogados, criminalistas e defensores públicos. Era até possível que Sandra absolvesse alguém, mas só acontecia quando ela realmente não tinha nenhuma outra opção. No mais, era conhecida por condenar o mais rápido possível e com tudo que tinha direito. Se reclamasse ainda tomava sermão moralista sobre família e valores cristãos. Pedia comida por telefone três vezes por semana e comia as encomendas durante a semana toda, espaçando os dias. A única coisa que sabia cozinhar era omelete e macarrão e literalmente todas as vezes que havia feito isso depois da universidade tinha sido para alimentar a filha. Fumava meio maço de Marlboro light todo dia, um inteiro quando ficava trabalhando direto de madrugada. Até hoje mantinha o hábito adquirido da época de casada e morando com a filha, hoje desnecessário, de se masturbar em quase absoluto silêncio, a comissura tremida dos seus lábios se remoendo no que parecia ser uma intensidade que ela sempre tentava manter no limite do suportável.

Sandra morava num condomínio murado muito bem protegido nos arredores de Belo Horizonte, numa casa de quatro quartos e um piano de cauda na sala que havia sido tocado por no máximo algumas horas em mais de quinze anos. E foi antes de chegar lá, na sexta, no começo da noite, logo depois de comprar um pote de sorvete e um maço no posto, que Sandra foi rendida por dois homens e uma mulher de máscara que pareceram vir de lugar nenhum, entrando no carro dela no banco de trás e no do passageiro e botando o cano de uma arma nas suas costelas. Sandra falou para levarem o carro e deixarem ela ali, mas eles não respondiam, só gritavam feito bicho, cantavam e falavam que ela tinha que ir junto, e que se ficasse comportada não ia se machucar.

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