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Sergey estava impaciente. Ele nunca gostou de esconder os sentimentos, mesmo antes de ser a décima pessoa mais rica do mundo. A mansão em Los Altos era um antigo palácio rocambolesco de um produtor de cinema da Era de Ouro de Hollywood. Estilo genérico e eclético, varandas saindo de varandas, tudo muito ornado e vistoso. Há quem a apreciasse ironicamente, mas não era o caso dele. Devia sair de suas mãos no divórcio que estava em curso no momento, o que nos últimos meses havia provocado uma agressividade gratuita contra cortinas, tapetes, sofás. Num dia normal, há pelo menos oito funcionários, entre limpeza e cozinha, segurança e jardineiros. Mas hoje a maioria ganhou folga. Estava só a governanta mais experiente, e confiável, Consuela, cozinhando o jantar; a assistente pessoal de Sergey, Ashley, ali com ele no pátio, mexendo no tablet; e o chefe da segurança, Alexei, na guarita da entrada. Além deles, Sergey estava com dois convidados sentados no sofá trançado tailandês do pátio. Jason e Deepak. O primeiro é um homem grande, branco de dreads volumosos, que está no momento contando alguma anedota engraçadíssima. Sergey o interrompe.

Cadê o cara? Vamos começar logo.

Ashley responde.

Pediu pra ir no banheiro, mas falou que já aparece.

Claro, só estamos esperando tem dez minutos.

Deepak pergunta, um pouco tímido.

Como você achou esse cara, afinal, Sergey?

A resposta vem com alguma impaciência:

Eu já contei pro Jason, mas tudo bem. Um antigo contato meu na DARPA, um amigo, na verdade, de Stanford. Eu não ouvia dele há anos, achei até estranho. Veio falar comigo que havia uma oportunidade única para experimentar algo que ainda ia demorar para vir a público. E que talvez nunca mais viesse a público desta forma. Não legalmente, enfim. Falou que era uma chance que eu não podia perder. Deu o nome de alguém que entraria em contato. E depois sumiu de novo. Achei estranho mas fiquei curioso, claro. E aí em seguida esse cara apareceu falando com minha assistente. Disse que é um membro da equipe que construiu isso e que estavam oferecendo, de maneira discreta, amostras selecionadas para clientes VIP como forma de angariar fundos para a manutenção da pesquisa. Conversei com amigos e descobri de um projeto sigiloso parecido. É tudo MEIO esquisito e suspeito, mas o aparelho parece real. Conheço alguém que usou e diz maravilhas.

Quem?

Pediu para não contar.

Ele dá uma piscadela para a assistente, que sorri e enrubesce.

Porra, Sergey.

— Mas o que é a tecnologia?

É como realidade virtual, mas bem diferente de todo o resto. Não é uma porra dum Occulus. Não é uma porra de uma coisa que você põe na cabeça.

Sergey ficou mudo por um instante, pareceu lembrar de algo extremamente irritante. Mas tentou retomar o assunto.

O cara me mostrou o hardware rapidinho, a assistente dele tá instalando no meu escritório. Bonita não é, a máquina, mas ainda está longe de entrar no mercado, então normal. Eu ainda não entendi direito como funciona, mas não vou usar até me explicarem direitinho, claro.

Como que isso pode ter ficado debaixo do seu radar? Do nosso radar, digo.

Sergey parece incomodado com a pergunta.

Pelo que entendi, é um protótipo militar, tudo sigiloso de verdade e o governo cortou a torneira. Por isso essas amostras experimentais pagas.

Pagos?

— Meio milhão de dólares.

Meio milhão pra ser cobaia de VR?

Pra jogar joguinho?

Sergey parece muito irritado.

Não é joguinho, idiota. É uma viagem pro passado. Não viagem, né, você não tem como mudar nada. Eu não seria idiota de acreditar nisso. Mas você experimenta como se estivesse lá.

Como assim?

— Ele que tem que explicar como funciona, não eu.

— E você vai pagar pra gente fazer também?

Claro que não. Se quiserem também vão ter que pagar.

Jason e Deepak parecem muito desapontados.

E por que convidou, então?

— Pra vocês me ajudarem a julgar se é verdade, se é um golpe.

— O quê que realidade virtual tem a ver com viajar pro passado?

— Não tem. Mas é que não é viajar, é como acessar um momento do passado. Mas por inteiro. Com cheiro, tato, todos os sentidos.

— Ah, tá. Ficou muito mais claro agora.

— Sergey, já que você não vai pagar, não tem problema eu chamar um amigo, né? Sabe o Eliot?

— Sei lá, Kevin, me falaram que era sigiloso, eu nem devia ter chamado vocês pra começo de conversa.

É que eu encontrei ele no café e ele institiu em perguntar o que eu ia fazer. Desculpa. Sou péssimo mentiroso. E aliás, esse cara trabalhou com realidade virtual por anos, desde a universidade. É bem cabeçudo. Vai ajudar a gente a entender como funciona.

Porra, Kevin. Tá bom. Mas não vamos esperar por ele não.

Ele já tá vindo, na verdade, já devia ter chegado, até.

Todos viraram, de uma vez, quase assustados, para o homem que vinha de dentro da casa, de bata verde e voz retumbante com sotaque vagamente indiano, acompanhado de uma assistente vestindo roupas escuras, traços orientais e pele marrom-oliva, cabelo curto, liso e pretíssimo alongando-se apenas entre as orelhas e os olhos. Os dois pareciam confiantes e talvez, até, excitados.