48.

—coé murilovsk

— eaí Fabão :B

— só na madrugada adentro

— você sabe como funcionamos aqui

— bicho tu escreve? assim de verdade? nunca te perguntei

— ah, rascunho coisas desde moleque, né, mas nunca tive a cara de realmente levar qualquer coisa mais a sério. e tu?

— meio que isso. muito blog e muito romance abortado. tou tentando escrever um conto mais longo que tá me irritando demais.

— pq?

— na real acho que ele está muito ruim, mas ele me diverte, sei lá,  e tou ficando meio obcecado, sabe? alguma coisa nele me pegou pacas, quero termina-lo mesmo se for pra ser ruim

— de qualé?

— É um meio bobão e pouco original, formalmente, mas que acho que ainda pode dar um caldo. Tem uma gracinha só formal q eu acho fera mas não vou te contar pois ALERTA DE ESTRAGÃO

— haha Entendo. não dá pra ser mais específico que isso?

— digamos que é um troço de MUITAS INTERNETS.

— hm.

— haha, sério. quando tiver num estado que dê pra tirar do sotão eu tiro. no momento é um feto desses ciclopeicos da vida, mal formados, sabe? babando. tu não quer nem ver.

— haha, entendo.

       A princípio Fábio era bem elusivo, seu perfil no fórum consistindo apenas do nome “Roberval, Ladrão de Chocolate” e uma foto aleatória que mudava de semana em semana (Nicolas Cage em Con-Air, um quadro do Paul Klee, um personagem de uma tira em quadrinhos finlandesa dos anos sessenta, Eri Johnson gótico). Eventualmente acontecia dele usar o seu nome de verdade nos posts, mas sempre em minúsculo e sem sobrenome, jogado ali sem alarde.

       Só depois de algum tempo conversando sobre amenidades e interesses os mais esparsos Murilo ganhou coragem de perguntar coisas mais pessoais para Fábio. Não queria soar interessado demais, não queria parecer desesperado por contato humano. Era bem raro que ele se sentisse tão confortável conversando com alguém. Aos poucos algumas informações foram aparecendo. Cursava Administração, mas estava já no quinto ano e não parecia que ia formar tão cedo. Ele morava em Goiânia, olha só, tão pertinho. Às vezes vinha a Brasília com a família. Tinha vinte e seis anos e uma namorada chamada Letícia. Aos poucos um molde não tão preciso se formou, uma silhueta que Murilo conseguia ajuntar aquela voz inteligente, engraçada e sempre disponível.

       Murilo já conhecia Fábio há alguns meses quando viu uma foto dele pela primeira vez. Fábio tinha encontrado algumas pessoas da comunidade em São Paulo num bar e as fotos foram postadas por um dos presentes.

Murilo estava muitíssimo acostumado com isso de tentar reconstruir uma pessoa a partir de seus registros virtuais. Quase todo mundo com quem ele estudava tinha um rastro de figuração em alguma database recuperável.

Era muito engraçado ver os rostos daquelas vozes que ele conhecia da comunidade, aquelas posturas agregadas, gostos e idiossincrasias expressivas que de repente ele via reunida numa pessoa física, num rosto, numa entrada de calvície, num pescoço meio gordo, numa expressão tonta e infeliz que a foto tenha recortado de uma naturalidade contínua que não tinha como se recuperar, ali, só pelas fotos. Fábio do lado do professor de história da Unicamp com rabo de cavalo que amava Bolaño (Guto) e da revisora de olhos puxados que manjava pra caramba de ficção científica (Múcia). Os três brindando com mais uma quarta pessoa que Murilo não entendeu quem era.

Fábio era muito bonito e loiro e alto e carismático de um jeito que parecia até exagerado. Disseram. Depois desse encontro começaram a chamá-lo na comunidade de “galã” (assim entre aspas) e de Brad Pitt do cerrado.

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