03.

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Com as mãos amarradas entre as pernas, a cabeça mal acomodada numa almofada fedida e muxibenta, o corpo gordo todo amarrado num terno suado e deposto no porta-malas não muito espaçoso e entulhado dum Tempra, pela primeira vez em décadas o senhor Jarbas Moutinho, senador da República, homem público de muitas posses e alguns queixos, está morrendo de medo.

Ele ainda tá longe de entender quem diabos são esses porra que botaram ele ali e que tão dirigindo feito uns condenados pra algum lugar longe (já tem pelo menos duas horas que ele tá ali, não tem? Poderia muito bem ser bem menos).

Com a música alta ele só consegue ouvir uns gritos abafados, alguns parecendo de mulher. O povo parece doido mesmo, grita o tempo todo. Sequestrador normal não fica gritando desse jeito e nem usa máscara de bicho, de robô. Isso tava encucando ele. Tem sempre como dar um jeito nas coisas, esse era praticamente o lema da vida dele. Mas aquilo ali era coisa de gente doida, e com gente doida não dá pra lidar. Era isso, mais que qualquer outra coisa, que tava deixando ele com um cagaço danado. Ele sempre teve medo de gente doida.

Ele não conseguia lembrar tão bem como que botaram ele ali, de tão rápido que foi, só sabe com certeza que tava indo falar com a filha da puta da Vanessa. No hotel de endereço esquisito que ela deu. Ele tava bêbado na hora, também tinha isso, mas a adrenalina fez o álcool todo sumir da cabeça na horinha. Ela insistiu pra ele ir sozinho e ele, retardado, aceitou. Jarbas nunca faz isso, mas em São Paulo ele se sente em casa. Na verdade ele tava há um tempo confiando demais nela, se arriscando demais. Dando aquele pingente, contando coisa da infância dele em Goiás.
Puta é puta, não dá pra esquecer. Não tendo outro veículo no momento pra deter o seu ódio, ele de segundos em segundos lembrava dela e ficava enormemente puto, querendo acabar com a raça dela, segurar pelo pescoço. Às vezes sobrevém uma breve impressão de que talvez ele esteja sendo precipitado, de que poderia ser só uma coincidência infeliz, mas esse pensamento é logo soterrado pelo outro, no qual ele esculacha ela de diversas maneiras enquanto ela olha pra baixo, faz beicinho e pede desculpa.

O carro finalmente estaciona. Pela estrada de terra acidentada pra caramba e a falta de barulho, eles devem estar num sítio ou no meio do mato mesmo. Jarbas ouve as pessoas saindo do carro, batendo as portas e dando mais gritinhos agudos e graves, dando porrada no teto do carro. O porta-malas abre, recortadas contra o sol forte na cara dele, depois de horas no escuro, tão quatro silhuetas. As quatro figuras ostentando máscaras grandes, pesadas, as quatro de peito nu. Dois homens e duas mulheres, uma bem branquinha, magricela, a outra negra e mais gorda um tanto. Um macaco, uma onça, uma caveira ciborgue e uma bruxa. O macaco segurando uma pistola pequena, preta.

— Sai. Teu quarto tá bem ali.

Eles tavam num sítio, mesmo, e um bonito pra caramba, chique, com tipão de engenho antigo. Só mato em volta e nenhuma outra casa visível. Tinham levado ele carregado e botado ele numa cama fechada toda por biombos vermelhos, no que parecia ser o escritório da casa. A cama era pesada, de ferro, e antes que ele desse por si, tava algemado nela. Que merda que eles queriam fazer com ele? Ele ouve a mesma voz, a do Macaco, através do biombo, com uma feminina emendando:

— Pode descansar um tiquinho, que a sua educação vai começar agorinha, já. Quer água, bolo, alguma coisa?

— Tem mamão, tem caqui.

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