02.

Murilo está sentado no seu quarto, na cadeira giratória cinza que já foi preta, toda descascada, diante do computador. As pernas esticadas e apoiadas numa pilha de livros cujo equilíbrio ele precisa negociar com cuidado, não podendo puxar demais para a esquerda se não quiser que eles todos tombem. O que acontece com frequência.

Em volta do seu monitor pesado e cinzento tem pilhas de papéis xerocados e rabiscados, além de embalagens de biscoito de vários tipos (alguns deles datando de meses atrás) e um cheiro profundamente entranhado de cigarro. O canto da barra da tela do computador aponta que é meia-noite e quarenta da noite do dia primeiro de abril de 2012.

Ele não jantou hoje. Quando escutou o jantar sendo posto, pareceu uma boa ideia continuar no quarto para não ter de lidar com a cara que ele sabia que o seu pai teria ao vê-lo pela primeira vez no dia, às oito da noite, e com aquele aspecto bagunçado e sujo que ele sabia que deveria ter (não havia espelho no seu quarto, ele não via seu reflexo com atenção há dias, mas dava pra chutar que não tava legal).

Ele imaginou que teria algo na geladeira quando ele fosse assaltá-la horas depois, depois de ouvir a sequência de barulhos que sempre anunciavam a retirada do seu pai para os seus aposentos, mas só encontrou arroz velho e duro, e um troço avermelhado cujo único elemento certo e inequívoco parecia ser berinjela. Ele com certeza não era dos fãs mais ardorosos de berinjela. Com oito reais na carteira, talvez nove e uns quebrados, contando moedas, ele até teria como jantar na rua. Alcançável a pé sem tanta dificuldade havia o cachorro-quente ali, logo abaixo, e o Drive Thru do McDonald’s, um pouco mais distante. Ele sabia que o drive-thru era feito para carros, mas ele já havia passado lá a pé antes e tinha sido atendido normalmente, ainda que notando talvez uns risinhos de canto de boca da moça que recebeu seu dinheiro contado em espécie.

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