21.

—Ninguém está faltando o respeito com o senhor. Por favor, doutor. Todo mundo tá exausto, aqui. Todo mundo quer terminar logo com isso. Nós só queremos que vocês ajudem a gente a entender.

—Ninguém quer foder contigo, aqui. Mas nós não temos como te ajudar se a gente não entender o que aconteceu.

—Como que onze indivíduos da estirpe do senhor agem daquela maneira?

—Num estádio, com milhares de pessoas em volta.

Antes da resposta vem uma bufada cansada e arrogante, prolongada com calma.

—Vocês querem saber mesmo?

—Claro.

—Tá. Eu vou falar, mas não é pra botar isso no depoimento.

—Como assim?

— O que acontece primeiro é que ele entra nos seus sonhos. O índio. Ele e o amigo viado dele.

(silêncio de alguns segundos)

— Como assim, senhor Villela?

— Eu conversei com muita gente, meu amigo, acho que ninguém tava tão investido em descobrir o que tava acontecendo. Isso não começou agora. Por isso que quando meteram a gente junto naquele camarote eu já entendi de uma vez que tava tudo errado. Que tinham armado tudo pra gente. Alguém fez com que a gente —todos nós —tivéssemos um surto ao mesmo tempo, no intervalo do jogo.

—Essa parte o senhor já explicou.

—Calma, tem que entender direito. Todo mundo teve uma dor de cabeça aguda parecida, junto com vozes e umas imagens. E nenhum de nós é doido, não, tudo gente séria, bem-sucedida, importante. E de repente tavam gritando, de joelhos, derrubando vinho. Cada um tava num canto, mas levaram todo mundo junto para uma mesma cabine VIP que tava com defeito. Isso enquanto começava o segundo tempo. Eu já tava com três pés atrás antes, já tinha percebido que tavam mexendo com a minha cabeça. Isso antes do jogo, antes dessa putaria toda. E eu já tinha falado com duas pessoas das que encontrei ali no dia. O Jarbas e o Cristiano. Por isso que quando meteram a gente junto naquela cabine eu já entendi de uma vez que tava tudo errado. E eles todos concordaram comigo que começava com o filho da puta aparecendo nos seus sonhos.

— Calma. Nos sonhos?

— Ou a filha da puta. Eu nem tenho certeza.

—…

— Diz, diz que eu tou doido.

— Como que isso seria possível, o senhor acha?

—Eu não sei te dizer, obviamente. Eu não sou neurologista. Mas não é só isso, não. Uma porção significativa do povo com que falei também confirmou o que começa a acontecer um pouco depois. Uma mesma coisa de todo mundo sentir, assim, uma presença, sabe?

—Como assim? Presença de que tipo?

—Mesmo quando acordado. Te juro que não dá pra explicar de outra maneira. Tu começava a sentir que nunca tava sozinho, que tinha sempre uma outra coisa junto contigo. Sabe aquela sensação de que alguma coisa tá te olhando por trás da tua nuca? Mas não no bom sentido.

—Sei. De que alguém tá te observando.

—Alguém não. Uma coisa.

—…

—Pois é.

—Você teria alguma explicação, digamos, científica para essa sensação?

—Eu já falei que eu não tenho explicação, porra. Fizeram exame e o caralho e não encontram nada na cabeça da gente. Só uma cicatrizinha de nada na nuca. E antes que tu venha com gracinha, não, eu não tou maluco. Se tem uma coisa que eu não sou é maluco.

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