12.

Ele entra no quarto, toca no mouse para que a tela reacenda, deposita suas chaves e a carteira perto do teclado e se acomoda na cadeira.

Várias janelas abertas em textos que ele leu pela metade, PDFs com parágrafos enormes que ele abandonou tem horas, artigos da Wikipédia, vídeos compilando as melhores jogadas e gols do Zidane, resenha de um filme tailandês que ele está considerando baixar escrita por um baiano em cujo gosto ele confia tremendamente…

Sua atenção esgarçada e interrompida de mais ou menos uma hora atrás, os itens que ela equilibrava como pratos um malabarista, agora retomada. Se ele fechasse os olhos, não conseguiria lembrar de quase nada que estava aberto ali.

O computador apita, alguém falando com ele. É o Fábio de novo.

— fala malander charmander

— e aí

— Acabei de acabar Fogo Pálido e puta que pariu, que livro sinistro.

— é legal, né. Mas ele me desaponta um pouco, sabia.

— pq tu é chato. Vai tomar no cu

— O truque é brilhante, mas nenhuma voz ali me interessa, não acho a paranoiazinha interessante assim. Acho pouco generosa.

— queisso, cê diz isso só pra ficar bonito na foto, o acúmulo de noia é lindemais, palavra cruzada.

— haha, é sim, é sim, o negócio é que acho a ideia tão boa que me dá acho que raiva dela não ter sido aproveitada direito

— q besteira.

— Ah, Compra a defesa Lujin e depois le, pra tu ver que o bicho não brincava só com essa coisa matrioshka simetriquinha.

— ele tem muito truque na manga né o rasputão

— muito.

Os dois se conheceram há poucos meses, numa comunidade sobre literatura dentro de uma rede social moribunda. A comunidade é bem diversa, com gente do país quase todo (menos da região Norte). Tem alguns professores universitários e críticos, alguns escritores jovens, mas a maioria dos participantes são leitores que não trabalham com aquilo, boa parte deles usando perfis falsos com nomes ridículos e fotos de atores mortos. Recomendações são trocadas, alguns assuntos são erguidos por dias, algumas leituras em grupo são organizadas de vez em quando. Murilo mais observava do que participava, mas tinha afeição genuína por quase todo mundo ali dentro, o que para ele era inteiramente inédito com qualquer agremiação de pessoas.

Ele e Fábio depois de um tempo começaram a conversar pelo chat do e-mail e se deram incrivelmente bem de cara, em duas ocasiões distintas conversando por mais de seis horas seguidas (ainda que descontínuas, assuntos interrompidos e retomados, dispersos, links trocados e comentados um tempo depois).

Ele não sabia absolutamente nada da vida do cara, mas achava que ele devia ser desempregado como ele, já que podia ser encontrado a qualquer hora na internet, principalmente de madrugada,
e sempre parecia estar livre para conversar.