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Murilo acordou às duas da tarde, não lembrando o que tinha feito no final da noite anterior depois de chegar em casa. Talvez tivesse colocado um filme pra passar no computador e assistir antes de dormir, meio que já sabendo que provavelmente dormiria nos primeiros cinco minutos. Acorda agora se sentindo pesado, derrotado, forças várias depositadas no seu peito e amarrando seu braço na cama, uma letargia que parecia complexa, montada de várias partes concorrentes, uma força positiva e não simplesmente uma falta de forças. Ele tenta ver quanto tempo ele consegue ficar sem se mover (não contando o vai-e-volta da respiração no seu peito), olhando para os próprios braços e pernas e julgando-os objetos alheios, pedaços soltos de carne.

Ainda da cama checa o seu email, como sempre faz assim que acorda. A única nova mensagem era do Fábio, da madrugada anterior, sem título e com o corpo de texto dizendo apenas:

DAEW

Esto hic tibi Diana propitia

Quae feras domare novit

(eu ia dizer a tradução mas esqueci

eyôôôôô)

E um documento do Word (“CABULOSO.doc”) em anexo. Murilo botou o arquivo pra abrir, mas a lentidão paquidérmica do seu computador e da conexão acabou irritando-o, fazendo com que ele se levantasse e procurasse algo pra comer.

Talvez tenha café feito do almoço, ele espera, ou talvez algum pão meio duro sobrevivente no saco da padaria. A sala está quieta, ele não sabe pra onde a mãe foi. O saco de pão na fruteira revela-se vazio. A televisão está ligada num canal de notícias, sem som, e enquanto Murilo passa o dedo indicador nos farelos no pratinho em cima da pia ele deixa sua atenção vagar pelas imagens na tela e as frases embaixo delas, fatos sucedendo numa mesma cadência. Seis de junho de 2013. A Coréia do Norte se mete em alguma confusão, jovens em Goiânia protestam o preço da passagem, algum ator global velho e moribundo acena da janela do hospital. De repente, ali, entre todos aqueles pedaços distantes da reprodução que o mundo faz de si mesmo, uma frase se destaca, se levanta, parece vir de outra esfera.

COMOÇÃO EM GOIÂNIA Morre na estrada o filho do governador Anselmo Carvalho.