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Fábio ofereceu para me dar uma carona, mas eu falei que o caminho a pé era mais curto, não precisava. Me arrependo de dizer isso assim que o carro dele sai. Minha bermuda está desajeitada, minha cueca me incomoda por baixo. Minhas pernas estão incômodas, roçando a gordura uma na outra. Não estão doendo, exatamente, mas é como se eu estivesse desaprendido o uso delas, o que se faz daqueles objetos no mundo, a interface com os diferentes materiais (grama, cimento, terra).

Eu chego rapidinho na W3, vazia. Eu a atravesso tranquilamente, nenhum carro por perto, só dois passam na outra pista, espalhando o pouco de água que ainda está ali, em alguns cantos, em algumas poças e remendos mal feitos de asfalto, irregular e lisa como a pele dum rinoceronte velho.

Eu ando rápido pra passar pela banca e a passagem ali entre lojas, que tem um bar que eu espero que esteja aberto à essa hora. Ele está. Eu sento numa mesa do canto e peço uma cerveja, coisa que nunca fiz na vida. Eu não sei se tenho dinheiro na carteira no momento. Eu decido checar antes de me sentar, a minha carteira roxa de velcro que deve ter uns dezesseis anos, no mínimo, sem nenhum documento ou moeda, apenas uma nota de vinte reais solitária e magnânima, com seu mico-leão dourado. Isso deve me dar duas garrafas, eu penso (deu uma e troco). Pra quem não bebe há anos, basta.

Na televisão está passando o último jornal da noite, onde falam dos gols da rodada. Dois senhores ali fazem comentários pouco convictos sobre o campeonato brasileiro, exercícios fáticos vazios que não recebem encorajamento. A cerveja vem gelada anestesiando a garganta.

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